Sozinhas
Sou capaz de contar pelos dedos de uma mão os filmes que, até hoje, verdadeiramente me emocionaram. Não derramo lágrimas com Titaniques, com Palavras Que Nunca Te Direi, com essas lamechices que, não entendo por via de que mecanismo, conseguem colocar meia plateia a assoar-se. Por norma, assisto com alguma frieza às produções norte-americanas. Demasiado técnicas ou distantes da realidade, raramente me tocam o suficiente para um tímido fungar.
Não é o caso de "Solas" ("Sozinhas"), do espanhol Benito Zambrano, que comprei numa promoção da Valentim de Carvalho do Freeport de Alcochete. Recordo-me da loja por ter adquirido dois ou três DVDs cujo visionamento, invariavelmente, foi sendo adiado. Uma noite, estava eu sozinho em casa, lembrei-me de "Solas", um disco abandonado no fundo de uma das gavetas, coberto por umas quantas obras prioritárias - ou que, por terem saído mais caras, mereceram esse privilégio. E vi-o, numa decisão sábia.
O filme segue o drama de María, que vive num bairro degradado e perigoso de Sevilha, onde é necessário alguma cautela até para usar a cabine telefónica. Frustrada por não ter conseguido mais da vida, a empregada de limpeza nos trinta descobre que está grávida, fruto da relação periclitante e quase puramente carnal com um camionista, que passa longos períodos ausente e que a incentiva a fazer um aborto. Para cúmulo, o provinciano, machista e abusador pai de Maria é internado num hospital da cidade. A mãe, uma típica campónia eternamente de luto, submissa aos caprichos e à violência do marido, passa a ser uma visita regular na sua casa. A relação entre mãe e filha, demasiado formal e distante, começa a sofrer um revés. E Maria irá perceber que só conseguirá alcançar algo se esse laço quebradiço que as une ganhar alguma consistência. E se souber perdoar e compreender.
"Solas" não é uma grande produção à la Almodóvar e ganha por isso. Os cenários são reais, as pessoas autênticas, o ambiente quase palpável. As protagonistas - a mãe e a filha - são tão convincentes, no texto, composição e representação, que nos soam familiares. Zambrano é um especialista daquele meio e faz-nos sentir como parte dele.
Se o Mundo e a Academia sucumbiram ao drama da família disfuncional de "Little Miss Sunshine", devia ter visto primeiro este "Sozinhas". O que a produção independente made in USA caricatura, "Solas" fá-lo pela sinceridade de um retrato. E nunca me arrependi de o ter desempoeirado. 4 estrelitas