Inland Empire - Abril é mês de Lynch
INLAND EMPIRE - A Entrevista a DAVID LYNCH
"Mulholland Drive" pode ser, para muitos, a obra-prima de Lynch, mas "Inland Empire", a atestar pelas críticas, não lhe fica atrás. Para já, há bons sinais: é o regresso de Laura Dern ao universo do cineasta e a primeira experiência deste no domínio do cinema digital. Nesta entrevista sumarenta, Lynch explica pouco: nem ele próprio parece conhecer os segredos de um filme quase escrito take after take. O que também são boas notícias: podemos ficar na nossa sem ofender ninguém. E esta é a magia do seu cinema - a interpretação é obra de quem assiste e nem vale a pena queimar neurónios à espera de penetrar na mente de Lynch. Basta pagar o bilhete e seguir viagem.
Este é apenas um excerto da entrevista à Les Inkoruptibles. Se quiserem o resto, é só pedir. A última questão, sobre a sitcom protagonizada por coelhos, merecia um esclarecimento: reminiscências de um filme que nunca viu a luz do dia?
Renuncia às estruturas lógicas em prol de um processo que poderíamos classificar de surrealista? O seu filme é uma espécie de "cadáver ilustre"?
Nunca tenho uma ideia global do filme antes da rodagem. Antes, sobreponho as intuições para desenvolver uma história… Tudo depende do movimento, de como as ideias se encadeiam. Escrevo uma primeira cena que chama outra e depois outra – nada é linear, e as minhas ideias estão em evolução constante. Os meus filmes já existem antes das filmagens… E devo apenas reunir os pedaços, as caras, as palavras, as frases, os sons e os espaços, como num puzzle. É um pouco como na vida. A compreensão é uma abstracção que ressurge da intuição.
Reconhece-se no surrealismo?
Sim, mas interessam-me todas as camadas da realidade. Certas realidades são um casamento entre pensamento e emoção: uma forma de intuição que sabe criar um sentido. Nós utilizamos essa intuição a toda a hora mas não estamos habituados a empregá-la no cinema.
Porque filmou INLAND EMPIRE entre a Polónia e Hollywood?
Um dia, cruzei-me com a Laura Dern na rua e prometi-lhe voltar a trabalhar com ela, escrever-lhe um papel. Não parava de pensar nisso, e um dia, escrevi um monólogo especialmente para ela. É o coração do filme. Além disso, a atmosfera geral, que se enxertou à ideia principal à volta da personagem de Laura, vem de outro sítio. Quando fui convidado para o Festival de Cinema de Lodz, fiz amizades com as pessoas do festival e apaixonei-me imediatamente pela imagem dessa cidade no Inverno, que alberga muitas fábricas têxteis antigas magníficas. Adoro essas ruínas, a velha arquitectura e sobretudo a luz cinzenta e espessa. Tinha vontade de lá filmar. Porque mesmo se os polacos acham Lodz muito feia, para mim a cidade é magnífica.
Porque é que já não filma em película?
O cinema digital é um sonho tornado realidade: menos peso, equipas reduzidas, "takes" que duram quarenta minutos, auto foco, quase nenhuma perda de tempo, e depois tudo o que vês no monitor parece-se com o resultado final. Adoro esta nova tecnologia porque ela permite-me falar com os actores e filmar ao mesmo tempo!
Com uma câmara tradicional em Panavision manobrada por duas pessoas e tão pesada como um elefante conseguimos captar esses instantes mágicos: o DV é o futuro e a película é como um dinossauro. Nunca mais voltarei a ver os dinossauros!
O digital é capaz de mostrar os ambientes crepusculares e oníricos que caracterizam os seus filmes?
As câmaras digitais têm ainda algumas fraquezas para ver bem à noite, sem luz, mas com a película clássica é bem pior, e à noite é preciso fazer as malas muito mais cedo que com a DV. Com o digital, é preciso também lutar contra o grão, mas daqui a nada teremos câmaras com maior resolução…
Hollywood está de novo preso numa rede poético-metafórica, uma zona onde se reencontram fantasmas, sonhos e realidades diversas. Mas a sua visão da Meca do cinema escureceu desde Mullholand Drive.
Não falo de Hollywood. Os meus filmes constroem outros mundos a partir de significantes muito comuns. Hollywood como cidade caiu muito baixo, transformou-se como que num inferno. E Hollywood Boulevard, que foi tão magnífica, hoje parece um pesadelo. Hollywood regressa nas minhas histórias porque posso lá mostrar conflitos e contrastes enormes entre diferentes versões da realidade.
O que é que lhe interessa na perda de referências entre níveis diferentes de realidade?
Existem tantas formas diferentes da realidade! A realidade à superfície e a realidade do interior. O cinema está cá para explorar todos esses mundos. Mas se um filme explora só a superfície, o concreto, os espectadores vão todos ter a mesma experiência sem terem problemas de compreensão. Eu descaio para uma abstracção para permitir um grande número de interpretações possíveis. Para mim, uma emoção pode ser abstracta, extremamente delicada, frágil. Ver uma actriz a chorar não é suficiente para comover o espectador… mas o cinema tem outros meios abstractos para provocar a tristeza.
A psicanálise não o inspira?
Uma vez fui ao psicólogo, um homem delicioso, e perguntei-lhe se a sua análise podia afectar a minha criatividade. Respondeu-me que naturalmente podia acontecer. Então apertei-lhe a mão e abandonei o seu consultório.
Pode-nos dar pelo menos uma interpretação para os coelhos que atravessam o seu filme?
A chave é a inocência.
Nunca tenho uma ideia global do filme antes da rodagem. Antes, sobreponho as intuições para desenvolver uma história… Tudo depende do movimento, de como as ideias se encadeiam. Escrevo uma primeira cena que chama outra e depois outra – nada é linear, e as minhas ideias estão em evolução constante. Os meus filmes já existem antes das filmagens… E devo apenas reunir os pedaços, as caras, as palavras, as frases, os sons e os espaços, como num puzzle. É um pouco como na vida. A compreensão é uma abstracção que ressurge da intuição.
Reconhece-se no surrealismo?
Sim, mas interessam-me todas as camadas da realidade. Certas realidades são um casamento entre pensamento e emoção: uma forma de intuição que sabe criar um sentido. Nós utilizamos essa intuição a toda a hora mas não estamos habituados a empregá-la no cinema.
Porque filmou INLAND EMPIRE entre a Polónia e Hollywood?
Um dia, cruzei-me com a Laura Dern na rua e prometi-lhe voltar a trabalhar com ela, escrever-lhe um papel. Não parava de pensar nisso, e um dia, escrevi um monólogo especialmente para ela. É o coração do filme. Além disso, a atmosfera geral, que se enxertou à ideia principal à volta da personagem de Laura, vem de outro sítio. Quando fui convidado para o Festival de Cinema de Lodz, fiz amizades com as pessoas do festival e apaixonei-me imediatamente pela imagem dessa cidade no Inverno, que alberga muitas fábricas têxteis antigas magníficas. Adoro essas ruínas, a velha arquitectura e sobretudo a luz cinzenta e espessa. Tinha vontade de lá filmar. Porque mesmo se os polacos acham Lodz muito feia, para mim a cidade é magnífica.
Porque é que já não filma em película?
O cinema digital é um sonho tornado realidade: menos peso, equipas reduzidas, "takes" que duram quarenta minutos, auto foco, quase nenhuma perda de tempo, e depois tudo o que vês no monitor parece-se com o resultado final. Adoro esta nova tecnologia porque ela permite-me falar com os actores e filmar ao mesmo tempo!
Com uma câmara tradicional em Panavision manobrada por duas pessoas e tão pesada como um elefante conseguimos captar esses instantes mágicos: o DV é o futuro e a película é como um dinossauro. Nunca mais voltarei a ver os dinossauros!
O digital é capaz de mostrar os ambientes crepusculares e oníricos que caracterizam os seus filmes?
As câmaras digitais têm ainda algumas fraquezas para ver bem à noite, sem luz, mas com a película clássica é bem pior, e à noite é preciso fazer as malas muito mais cedo que com a DV. Com o digital, é preciso também lutar contra o grão, mas daqui a nada teremos câmaras com maior resolução…
Hollywood está de novo preso numa rede poético-metafórica, uma zona onde se reencontram fantasmas, sonhos e realidades diversas. Mas a sua visão da Meca do cinema escureceu desde Mullholand Drive.
Não falo de Hollywood. Os meus filmes constroem outros mundos a partir de significantes muito comuns. Hollywood como cidade caiu muito baixo, transformou-se como que num inferno. E Hollywood Boulevard, que foi tão magnífica, hoje parece um pesadelo. Hollywood regressa nas minhas histórias porque posso lá mostrar conflitos e contrastes enormes entre diferentes versões da realidade.
O que é que lhe interessa na perda de referências entre níveis diferentes de realidade?
Existem tantas formas diferentes da realidade! A realidade à superfície e a realidade do interior. O cinema está cá para explorar todos esses mundos. Mas se um filme explora só a superfície, o concreto, os espectadores vão todos ter a mesma experiência sem terem problemas de compreensão. Eu descaio para uma abstracção para permitir um grande número de interpretações possíveis. Para mim, uma emoção pode ser abstracta, extremamente delicada, frágil. Ver uma actriz a chorar não é suficiente para comover o espectador… mas o cinema tem outros meios abstractos para provocar a tristeza.
A psicanálise não o inspira?
Uma vez fui ao psicólogo, um homem delicioso, e perguntei-lhe se a sua análise podia afectar a minha criatividade. Respondeu-me que naturalmente podia acontecer. Então apertei-lhe a mão e abandonei o seu consultório.
Pode-nos dar pelo menos uma interpretação para os coelhos que atravessam o seu filme?
A chave é a inocência.
Fonte:
Jean Marc Lalanne e Marcus Rothe, Les Inrockuptibles e
Serge Kaganski, Les Inrockuptibles
Jean Marc Lalanne e Marcus Rothe, Les Inrockuptibles e
Serge Kaganski, Les Inrockuptibles
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