"Death Proof": O aviso de Tarantino (crítica)
"Death Proof" ("À Prova de Morte") é muito mais do que um género que Tarantino e Rodriguez quiseram reabilitar: as produções série Z das matinés contínuas dos cinemas Grindhouse. Num sucessivo piscar de olhos a outras obras e pejado de auto-referências ao realizador de "Pulp Fiction" e às suas musas, este roadmovie negro é sobretudo uma sátira à actual indústria cinematográfica norte-americana, aos seus vícios e lugares-comuns.
Poder-se-ia dizer que "Death Proof" se divide em duas partes: na primeira, um psicopata durão e invulnerável estabelece como vítimas um grupo de quatro mulheres. Sanguinário, só na aparência mimetiza os truques gastos do típico thriller de Hollywood:Tarantino dá-nos a volta, fazendo-nos acreditar que os que habitualmente se safam têm ali esse destino. No segundo, com mais humor e mais trepidante, os clichés ganham antónimos: a personagem que por norma perece às mãos do facínora é afinal poupada. E a valentia do vilão pode subitamente ser anulada por um ataque de cobardia.
Os diálogos pingue-pongue, de uma naturalidade a que eu, pessoalmente, só estou habituado a ouvir no cinema europeu, abrem espaço para as personagens. Tarantino deixa-as tagarelar (principalmente sobre sexo e cinema), serem elas próprias, sem maquinismos nem pressas. O realizador de "Kill Bill" já provou que é um excelente director de actores, capaz de transformar qualquer actriz de segunda num portento, mas aqui transcende-se: não há uma má, nem sequer uma mediana representação no núcleo de mulheres. Todas parecem interpretar os seus papéis com a naturalidade de quem respira.
Pelo meio deste filme anacrónico - usam-se carros e vestimentas dos anos 70, mas fala-se ao telemóvel e usa-se a Internet - Tarantino não resiste a dirigir algumas mensagens a Hollywood, principalmente no que diz respeito ao abuso de CGI e ao abandono da forma tradicional de produzir filmes. Esta missiva pode igualmente funcionar para os detractores do filme que sublinham alguma lentidão na primeira hora, habituados que estão ao frenesi dos efeitos digitais.
Do genérico aos créditos finais, dos cortes abruptos à repentina perda de cor, das aparentes falhas na projecção às magníficas coreografias ao volante, Tarantino prova que é possível, sem fogo-de-artifício, fazer bom entretenimento. Nem que para isso tenha de recorrer ao revivalismo. E nem é preciso ser fã de um dos mais interessantes e peculiares cineastas do nosso tempo, senão de sempre. Basta que se olhe para "Death Proof" com a mesma naturalidade e o mesmo gozo que a equipa parece ter tido ao embrenhar-se neste projecto. 5 estrelitas
No comments:
Post a Comment