Cri-ti-couille (Ratatui, a crítica)
Esqueçam os peixes, os pinguins e toda aquela bicharada falante que, ultimamente, andava a transformar o cinema de animação em 3D num marasmo criativo. Chegou uma ratazana para desenjoar. "Ratatui", mais uma afirmação de Brad Bird/Pixar como os maiores maestros da actualidade naquele género, vence por conciliar o brilhantismo técnico ao da escrita. Uma mistura deliciosa.
À primeira vista, a história de Remy poderia contribuir para mais um filme ao estilo "À Procura de Nemo" ou "Happy Feet": a busca por alguém ou por um sonho, contrariada por inevitáveis obstáculos. Na forma, serão idênticos. Mas no conteúdo, separam-se. É que, neste caso, o Homem deixa de ser um acessório só visível através dos membros inferiores ou da voz e passa a integrar a acção. E a fábula ganha outra dimensão: a interacção entre humanos e animais é explorada com a mesma intensidade e emoção que outra obra-prima do género - "Babe" -, conquistando a identificação do espectador com a narrativa e com as personagens. É que desta vez, vemo-nos representados. E aquele seria o sonho de qualquer um de nós: possuir a habilidade de comunicar com um animal com capacidades intelectuais equivalentes às nossas, fazendo dele um compincha para todas as ocasiões.
Mas se um porco amestrado não deve ser fácil de controlar e dirigir no set, que tal criar todo um universo por computador? A equipa de Brad Bird - onde se inclui um português, Afonso Salcedo, na iluminação - recriou uma Paris soturna a fazer lembrar a cidade luz do início do século (embora a história decorra na actualidade), com uma minúcia tal que quase nos leva a acreditar que algumas das imagens são reais. Os cabelos, a calçada, os movimentos da motorizada - tudo é detalhado com uma precisão ímpar.
O argumento, uma falha corrente neste tipo de produto cinematográfico, é simples, mas transversal a todos os escalões etários. Bem escrito, com acutilância, humor e sentimento, nunca escorrega para o choradinho. Os "gags" têm um timing perfeito e as duas personagens principais, a ratazana Remy e o desajeitado Linguini fazem lembrar as duplas douradas de Hollywood do tipo Walter Matthau/Jack Lemon. As vozes, correctas, ganham com o tom cavernoso de Peter O'Toole (sublime como o crítico gastronómico Anton Ego) e a diarreia verbal de Janeane Garofalo (a espevitada Colette). Um aviso: não cheguem tarde à sala de cinema ou correm o risco de perder uma pérola chamada "Lifted". 4 estrelinhas... Michelin
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