"A Outra Margem": crítica
Luis Filipe Rocha é um dos - senão o mais - interessante cineasta português. Do drama político "Camarate" aos comoventes "Adeus, Pai" e "A Passagem da Noite", o pouco fecundo cineasta (só dirigiu dez filmes) prova com "A Outra Margem" ser dono de uma sensibilidade invulgar para contar histórias portuguesas... com cunho universal.
Ricardo, um travesti homossexual, perdeu o amor da sua vida. Ele, que tinha fugido da terra há 16 anos, em vésperas de um casamento preparado pelas amarras sociais daquele meio claustrofóbico e preconceituoso, afunda-se na solidão e tenta o suicídio. Maria, que não recebia notícias do irmão desde então, viaja para Lisboa para resgatar Ricardo para a vida. E convida-o a recuperar em sua casa, que partilha com o filho, Vasco, um adolescente com trissomia 21 que trabalha num ginásio. Neste regresso ao passado, tio e sobrinho, dois desconhecidos para quem todos sonharam a "normalidade" estabelecem uma relação de amor incondicional.
"A Outra Margem" é um filme sobre a perda, e como as circunstâncias que daí surgem podem estancar o sofrimento e devolver-nos à vida - à semelhança de "O Quarto do Filho", de Nanni Moretti, curiosamente referenciado no filme de Luís Filipe Rocha. Emocionalmente genuíno, a história é passível de provocar lágrimas no mais empedernido dos espectadores, não porque as personagens sufoquem em choro ou se abracem ao som de música melosa. São os silêncios cortantes e a sinceridade das representações das pessoas da terra que emocionam.
"A Outra Margem" é também um filme de actores, e Filipe Duarte e Tomás Almeida, vencedores ex-aequo do prémio no Festival de Cinema do Mundo de Montréal são inseparavelmente a engrenagem desta história. O primeiro foi hábil na construção da sua personagem, livrando-a dos "clichés" ou dos exageros do costume. A sua expressão facial, o sorriso, o que diz e como diz - muito pouco para o que se adivinha que vai lá dentro - formam um trabalho pouco usual no panorama nacional, colocando-o ao nível do melhor que se faz lá fora. Mas seria injusto não sublinhar as prestações de Maria D'Aires, uma das melhores e menos aproveitadas actrizes portuguesas e da surpreendente Sara Graça, a noiva que nunca conseguiu ultrapassar a rejeição.
Da sequência de abertura, um triunfo técnico e emocional, milimetricamente planeado, à fotografia, que enaltece as belezas do país, passando pela selecção cuidada dos actores secundários, todos eles convincentes, fazem deste retrato social um dos melhores filmes portugueses dos últimos anos, só secundado pelo brilhante "Alice". 4 estrelitas
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