Friday, October 26, 2007

"Rescue Dawn": a crítica


Quando um realizador europeu pega numa história verídica norte-americana, o que podemos esperar? Um intercâmbio de competências. É o que acontece em "Rescue Dawn - Espírito Indomável", um filme bélico "old fashion" brilhantemente escrito e realizado.

Em 1965, o Mundo ainda não sonhava com as proporções que a guerra do Vietname iria assumir dentro de poucos anos. Mas os Estados Unidos já tinham em marcha operações secretas de extermínio de alvos estratégicos, na fronteira com o Laos. O tenente Dieter Dengler só queria voar. Mas na sua primeira missão, a aeronave é alvejada e o militar cai em território inimigo. Aprisionado num campo de concentração feito em bambú, aquele homem obstinado luta pela sua sobrevivência. Até ao fim e nos limites da condição humana.

"Papillon", o clássico de Franklin J. Schaffner, foi o primeiro filme que me veio à memória à medida que Dieter (Christian Bale no seu melhor papel até à data) concebia o seu plano de fuga, aparentemente tão estapafúrdio como o de Dustin Hoffman a contar as marés para escapar para mar alto encavalitado numa jangada rudimentar. É precisamente sem rasgos de câmara nem recurso a efeitos especiais (basta a beleza natural do Laos) que Herzog filma esta luta pela sobrevivência. E o estilo antiquado assenta-lhe como uma luva.

Herzog, que também escreveu o argumento, construiu personagens complexas que reagem ao meio doentio e atroz em que vivem. Há motivos para a paixão do realizador Werner Herzog pelo percurso do tenente Dieter Dengler: embora ao serviço do exército dos EUA, o oficial era natural da Alemanha, país do director do aclamado "Grizzly Man". Este é um trabalho de paixão e isso é notório em todos os frames. Os seus retratos de loucura (Jeremy Davies e Steve Zahn, cadavéricos e completamente entregues às suas personagens) são palpáveis, e o protagonista, um brincalhão que vai progressivamente evoluindo para a paranóia suscitada pelo isolamento da selva são raros neste tipo de filme. O final adocicado e americanizado é o único senão, mas não suficiente para arruinar um filme de guerra humanizado, mas não por isso menos trepidante. 4 estrelitas.


Monday, October 22, 2007

Manual macabro


"Manual de Instruções para Crimes Banais" ("Man Bites Dog" ou "C'est arrivé près de chez vous") é um filme de culto belga. A cena que se segue é hilariante - e macabra. Ora vejam...


"As Canções de Amor": crítica


"As Canções de Amor" é a maior tragédia romântica dos últimos anos. E também a mais amoral. Este musical de Christophe Honoré é um triunfo pela sua simplicidade - obrigatório, portanto.

O produtor Paulo Branco tem finalmente motivos para sentir orgulho numa obra onde aplicou o seu dinheiro. "Les Chansons D'Amour", que segue a trajectória interior de um triângulo amoroso, é o mais belo filme que vi este ano - e já bisei. Mas como em qualquer trio, o amor não é uniforme, e Ismäel e Julie, embora vivam uma relação estafada, constituem a locomotiva emocional. Como canta Alice, o terceiro vértice, "eu sou [apenas] a ponte entre as duas margens". Não vale a pena contar muito mais, para que a história não fique orfã de encanto. Mas deixem-me adiantar-vos que em "As Canções de Amor" há perda, reencontro e... Paris.

O drama musical do francês Christophe Honoré é um deleite, para a visão e para os ouvidos. Os protagonistas libertam os seus estados de espírito a cantar, tão ou mais naturalmente que em "Dancer in the Dark", de Lars Von Trier. As letras e música são belíssimas - esqueçam a voz pois, embora competentes, os actores limitam-se a sussurrar.

Mas a grande virtude desta obra romântica é espraiar-se sobre o amor sem condicionalismos. Pessoas amam pessoas, ponto final. Não há espaço para falsos moralismos, e as personagens reagem com ponderação e contenção às mais inusitadas expressões amorosas. Muitas destas sequências podem provocar desconforto na mente mais conservadora mas... olhem, aguentem-se! Nenhuma das cenas é gratuita, antes poética. Os corpos fundem-se, as vozes entoam em coro, e dá vontade de ser assim, de discutir a cantar. Provavelmente, teríamos todos mais amor. 5 estrelitas

Sunday, October 21, 2007

"A Estranha Em Mim": Crítica


Mesmo com Neil Jordan ao leme, "A Estranha em Mim" ("The Brave One") resulta num thriller banal, previsível e repleto de coincidências convenientes que retiram credibilidade ao argumento. Felizmente, está lá Jodie Foster para safar a onça.

Erika Bain, locutora de um programa de rádio, vive um romance idílico com um médico. Numa noite em que passeiam o cão em Central Park, Nova Iorque, o casal é selvativamente agredido por um bando de rufias. Ela sobrevive, ele morre. Quando Erika acorda de um coma de três semanas, já o noivo foi a enterrar. Despedaçada, aquela mulher que costumava calcorrear a cidade a gravar sons e a escrever belos textos sobre Nova Iorque descobre que já não é a mesma. E a sede de vingança transforma-a numa espécie de vigilante nocturno que aniquila a escumalha semeadora do medo.

Este argumento - que poderia ter sido escrito para Charles Bronson -, foi parar às mãos do aclamado realizador de "Jogo de Lágrimas" e "Breakfast in Pluto", dois excelentes exemplos da capacidade indiscutível do irlandês para criar bom cinema - ambos ambientados no seu país. Mas uma vez a trabalhar com os estúdios norte-americanos, Jordan parece perder o cunho pessoal e acaba por ser tão eficiente como qualquer realizador mediano a operar na indústria. É o que acontece em "The Brave One".

Mas o principal problema reside na história. A ideia não é original - recordo-me de um punhado de filmes dos anos 80 com a mesma premissa, protagonizados pelos durões Bronson ou Seagall -, mas neste caso há uma sucessão de coincidências e facilitismos para ajudar à sua concretização. No espaço de poucas semanas, acontece a Erika o que a um comum mortal apenas sucede uma vez na vida: entra numa loja de conveniência e a empregada é assassinada a sangue-frio; anda de metro e é ameaçada com uma faca borboleta por dois negros; percorre as ruas e encontra uma prostituta (a promissora filha de Lenny Kravitz) moribunda nas traseiras do carro de um chulo... e por aí fora. Se há alguém realmente azarado, chama-se Erika Bain. Por outro lado, a investigação levada a cabo pelo carismático Terrence Howard é demasiado facilitada: o inspector estabelece de imediato paralelo entre os sucessivos homicídios, mas tarda a descobrir quem é o autor, quando Erika não é propriamente a mais cautelosa de todos os assassinos.


Jodie Foster é o motor de tudo isto. Não fosse o seu magnetismo natural - não nos cansamos de a ver -, e este filme estaria perdido. Foster é, sem margem para discussão, uma das melhores actrizes norte-americanas de sempre e das poucas capaz de tão eficientemente usar a voz e a expressão corporal e do rosto para transmitir o turbilhão interno das suas personagens. Ela, que é especialista em mulher "outsiders", normalmente frágeis que progressivamente se transformam em heroínas, brilha aqui como poucas conseguiriam fazê-lo. E, só por isso, "the Brava One" vale 3 estrelitas.


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