Saturday, May 19, 2007

Tributo a "O Piano"


Durante anos, principalmente os da minha adolescência, fui perseguido pelas imagens desoladoras das ilhas maori, pelo encanto gélido de Holly Hunter e pela partitura de Michael Nyman. De tal forma que, quando um professor universitário deu a escolher à turma um tema livre para um trabalho final da cadeira, não hesitei em optar por "O Piano", de Jane Campion. Recordo-me que, na pesquisa que efectuei, encontrei excelentes artigos sobre o filme no "Cahiers du Cinéma", que esmiuçavam a simbologia da obra - as asas de criolina de Anna Paquin, uma espécie de anjo-demónio, os indícios da tragédia grega desde a primeira sequência, o mundo de Ada visto pelas membranas dos seus dedos, o debate sobre o final: terá a pianista morrido e as derradeiras imagens sido um produto da sua mente nos momentos em que agonizava sem oxigénio?

A história e a forma como foi contada davam de facto pano para mangas e dediquei mais de 30 páginas a descrever as minhas percepções sobre aquela obra que, à altura, era a que mais me intrigava. Assisti ao filme tantas vezes, pausei tantas cenas, ouvi a banda-sonora tão repetidamente, que ainda hoje, mantenho vivos inúmeros momentos na minha cabeça. Não consigo esquecer o erotismo do toque na pele através de um buraco na meia, do horror da mutilação do dedo, com o vestido de Ada a abrir-se sobre o extenso lamaçal e o rosto infantil de Paquin salpicado de sangue, escancarando a boca: "Ela diz que o ama!". Ou a crueldade da menina, a incitar com um pau que um pobre canídeo saísse do seu abrigo: "Bad dog, bad dog", exclamava a criança travessa.

Revi-o anos depois e o fascínio permanece: "O Piano" é um triunfo de uma mulher, Campion, que o escreveu, realizou e produziu. E é um triunfo em cada plano, na fotografia, nos desempenhos, na entrega dos actores num cenário inóspito. Tenho a certeza de que Keitel, Neil e Hunter souberam a jóia que tinham em mãos assim que leram as primeiras linhas do argumento. Caso contrário, duvido que actores daquele campeonato se sujeitassem às condições em que foi filmado, sob a batuta de uma cineasta que, embora já premiada, era então relativamente desconhecida. Entregues de coração e alma ao projecto, fizeram-no transbordar de subtileza e de uma beleza suja que o cinema, tantas vezes, tem tendência a repelir.

Muy rico y hermoso

Antonio Banderas, Jennifer Lopez e Sónia Braga no mesmo filme? Das duas uma: ou tanta latinidade dá para o torto ou temos aqui um casamento sério entre estrelas de Hollywood e um realizador, Gregory Nava, que quase ofereceu um globo de ouro a miss Lopez com o biopic "Selena". A estreia de "Bordertown: Cidade Sob Ameaça", sobre uma jornalista norte-americana a investigar homicídios em massa na cidade mexicana de Juarez, anda a ser consecutivamente adiada em Portugal. A última data avançada é 12 de Julho. Trailer em espanhol.



Thursday, May 17, 2007

Neva dentro deles


Em "Climas", do turco Nuri Bilge Ceylan, há silêncios embaraçosos à mesa, pessoas que fumam ao terminar a refeição, camas desmazeladas. Por outras palavras, este filme está prenhe de vida, a vida real de todos os dias.

Nesta obra vencedora do prémio FIPRESCI em Cannes, paira o fantasma de Wong Kar Wai, na sua forma suave, escorreita e quase muda de contar histórias de amor. O olhar perdido e solitário de Ceylan, igualmente protagonista, é um espelho de um errante Tony Leung, actor que encabeçou o elenco de duas obras maiores do cineasta de Hong Kong, "Disponível Para Amar" e "2046". E, assim como nos filmes de Kar Wai, também "Climas" exige do espectador uma absoluta disposição e sobriedade.

Contudo, a tarefa que nos é proposta não é árdua, pela simplicidade da história e pela natural afeição que sentimos por personagens tão palpáveis. E por uma história que poderia ser a de qualquer um de nós. Num Verão em Kas, na costa mediterrânica da Turquia, Isa, professor universitário a dobrar os 50, vive uma relação estafada e moribunda com a jovem Bahar, directora artística em séries televisivas de segunda categoria que, nos vintes, se comporta de forma juvenil. A diferença de idades serve de pretexto para que a união termine sob o calor tórrido e para que ele regresse aos braços e ao sexo selvagem proporcionado por uma antiga namorada. No entanto, Isa não esquece Bahar e persegue-a ao Leste da Turquia, onde esta se encontra em filmagens, com o intuito de reatar a relação. Terá esta conserto?

O clima surge no título e ao longo da história como uma metáfora que ilustra o comportamento cíclico do ser humano. Assim como a Primavera sucede ao Inverno e o Outono ao Verão, assim como a nuvens encobrem e desaparecem, como o Sol faz suar e se eclipsa, também o homem é capaz de fazer seguir a sua vida numa girândola, numa eterna sucessão de erros, perdão e redenção. Podemos achar um dia que mudamos para descobrir nos momentos seguintes que tudo permanece igual. E podemos igualmente acreditar que queremos recuperar algo, para descobrir de imediato que o que está perdido nem sequer se transforma.
Com uma minuciosa atenção aos detalhes, ao som, à iluminação e aos planos, Ceylan oferece uma obra nostálgica e madura com um elenco praticamente constituído pela sua familia. Quase cremos que esta história é uma catarse para o casal - que o é tanto no filme como na vida real. Seja ou não, este tratado sobre as relações humanas que escorre do interior das personagens para o exterior, com recurso a muito pouco diálogo, é uma das mais belas obras em cartaz. 4 estrelitas

Recordando "Feios, Porcos e Maus"


O temperamental e mão-de-vaca Giacinto Mazzatella (Nino Manfredi) vive com a sua numerosa e interesseira família numa barraca de um bairro de lata dos arrabaldes de Roma. Aposentou-se prematuramente por ter ficado cego de um olho com um pingo de cal viva, acidente pelo qual recebeu uma choruda indemnização - um milhão de liras -, que guarda nos mais insuspeitos buracos do casebre, para que mãe, mulher, filhos, cunhados, noras e netos não lhe surripiem a fortuna. Mas quando abriga na sua cama uma prostituta pneumática, a única que o compreende e se está a borrifar para o dinheiro, a despeitada mulher vê ali a sua oportunidade: assassinando o marido, a família fica com o caminho livre para se abarbatar ao milhão.

Lembro-me de ser pequenito e de ter visto "Feios, Porcos e Maus" meio às escondidas - assim como o "1900", de Bernardo Bertolucci, transmitido em duas partes pela RTP, têm memória disso? Hoje risíveis, as cenas de sexo ou de corpos a roçarem-se provocavam-me na altura o desconforto próprio da ingenuidade infantil.

Vinte anos volvidos, comprei o DVD desta obra do mestre da comédia à italiana Ettore Scola, para segui-lo com olhos de adulto. Confesso: o filme marcou-me numa determinada época e estava receoso de apanhar uma valente desilusão. Ainda por cima, decidi premir o play numa noite em que o João Pestana ameaçava atacar mais cedo do que o costume. Felizmente, este outro ícone da nossa infância levou uma tremenda bofetada: o filme de Scola é tão rico em detalhes, tão burlesco e tão surrealisticamente cómico que não houve forma de pregar olho.

Talvez não haja na História do cinema título tão apropriado como "Feios, Porcos e Maus". As personagens - as mulheres de bigode e buço, os homens promíscuos e sujos, e ambos os sexos pouco escrupulosos - compõem um retrato da miséria humana. Não só da miséria material, mas de como esta se pode elevar ao ponto de ofuscar as nobres ligações familiares e sociais. Não há heróis nesta história e, a existir uma categoria de vilão, só poderá ser atribuída ao vil metal.

Por outras palavras, o que Scola nos quer dizer é simples: não é o dinheiro que endireita quem nasce torto. E a ganância não é um exclusivo dos ricos. Nesta crítica social, exemplarmente filmada e escrita, há qualquer coisa de muito actual: faz-me lembrar aquelas famílias de bairros de lata que, sabemos pelas notícias, recebem a chave de um apartamento das mãos do autarca e plantam couves na banheira e deixam ninhadas de pintos cirandar pela sala. É claro que esta não é uma regra, mas outra lição que aprendemos de "Feios, Porcos e Maus" é que a pobreza e a ignorância andam por vezes de mão dadas. E quando tal acontece, não há dinheiro que compre a dignidade humana.

Wednesday, May 16, 2007

A fixar


Tem qualquer coisa de "Lost in Translation: O Amor é um Lugar Estranho" este "Once", um drama musical do irlandês John Carney que acompanha uma semana na vida um homem e de uma mulher, à medida que compõem e ensaiam músicas que contam a história da sua recente paixão. A estreia nos Estados Unidos está para breve, por cá espero que as distribuidoras reparem neste filme.



Outra obra a seguir com atenção: "An American Crime", com estreia marcada para 17 de Agosto nos EUA (vai ser eclipsado pelos blockbusters de Verão, mas não sou eu quem manda na distribuição), e que narra acontecimentos verídicos que chocaram a América em 1965. Sylvia (Ellen Page, a revelação de "Hard Candy") e Jennie Fae Likens, filhas de feirantes, são deixadas um fim-de-semana prolongado na casa suburbana da mãe solteira Gertrude Baniszewski (Catherine Keener), que tem sete crianças. Os tempos difíceis, aliados ao fardo de mais duas bocas para alimentar conduzem esta mulher de temperamento instável à ruptura, aprisionando e torturando as duas raparigas.

Tuesday, May 15, 2007

Convites Joost


Para quem ainda não conhece o "Joost", o programa que, em breve, vai revolucionar a forma como vemos televisão, tenho convites (quase) ilimitados para oferecer. E quem gosta da bonecada da Aardman ("A Fuga das Galinhas", "Wallace&Gromit"), dos desenhos manga ou de cinema independente, vai ficar agradavelmente surpreendido, não só com os conteúdos, como com a qualidade digital da imagem. Vão deixando os vossos comentários, com endereço de e-mail.

Joost™ the best of tv and the internet

Monday, May 14, 2007

Maratona pirata


É, de acordo com a Lusomundo, um evento sem precedentes em Portugal. Para celebrar o regresso de Jack Sparrow, no dia 24 de Maio, foram programadas sessões contínuas de "Piratas das Caraíbas: Nos Confins do Mundo" durante 24 horas, sempre a pedalar. Assim, desde as 0h00 às 24h00 do dia seguinte estão abertos os seguintes cinemas: Medeia Monumental-Saldanha, Cinemas Millenium Alvaláxia, UCI El Corte Inglês Lisboa, UCI Arrábida 20, Cinema Lusomundo Colombo e Cinema Lusomundo Parque Nascente. Só mesmo para os fãs absolutos. Quanto a mim, tenho mais que fazer madrugada fora. Dormir, por exemplo.


Sunday, May 13, 2007

Ama assim tanto o seu trabalho?


Quem não teve oportunidade de ver "Mutilados" ("Severance") no ciclo de cinema fantástico que teve lugar nos últimos fins-de-semana, no Quarteto, em Lisboa, pode fazê-lo em DVD. Já os sortudos norte-americanos vão poder ver nas salas esta obra do britânico Christopher Smith (estreia a 18 de Maio nos EUA), vencedor na categoria de melhor argumento de cinema fantástico da última edição do Fantasporto.

A sinopse desta comédia "gore" resume-se a meia dúzia de linhas: a empresa multinacional de armamento Palisade Defence recompensa os produtivos yuppies do seu departamento de vendas com um fim-de-semana nas montanhas. Mas os momentos de lazer transformam-se em terror, quando um grupo de tresloucados assassinos de guerra decidem vingar-se.

"Gore" na Madeira


E se destes caminhos sombrios, numa levada na floresta laurissilva madeirense, surgisse uma matilha de cães selvagens? Ou se estivesse um serial-killer à espreita? Se os trilhos fossem armadilhados por um sádico campónio? Se os tiles e os loureiros ganhassem vida, garras e bocas escancaradas? Se fossem aqui despejados humanos abduzidos por seres alienígenas? E se os realizadores e argumentistas portugueses aproveitassem as belezas deste país e não fizessem unicamente filmes para os seus umbigos?

Sabe tudo aqui

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