Nanni Moretti é conhecido pela sua postura de esquerda. E foi acusado, graças a "O Caimão", de ter influenciado o eleitorado nas legislativas de 2006 que levantaram Silvio Berlusconi da confortável cadeira do poder. Políticas à parte, o realizador do comovente "O Quarto do Filho" (eu lacrimejei, admito) é, acima de tudo, um dos mais interessantes e coerentes cineastas da actualidade.
A história abrevia-se em meia dúzia de linhas: um produtor de filme de série B, "sem preconceitos", atravessa uma profunda crise pessoal e profissional. A separar-se da mulher e com um projecto encalhado, recebe um dia o guião escrito por uma estreante, nada mais que uma biografia não autorizada e pouco elogiosa de Silvio Berlusconi.
Nesta cruzada para obter financiamento, convencer actores a participarem no filme, subir a auto-estima de uma caloira nas lides da realização, mudar de casa e contar aos filhos menores da separação, e sofrer o abandono por todas as direcções, o produtor encontra refúgio num trabalho que, pela primeira vez na sua carreira, poderá ter algum relevo.
"O Caimão", que raramente cai no erro da propaganda barata, está embrulhado nas melhores qualidades de Moretti: a sensibilidade a abordar dramas familiares, o argumento e os diálogos limpos de ruído, a capacidade de traduzir a naturalidade e a ironia do quotidiano, a facilidade em rodear-se de um séquito de luxo. "O Caimão" é uma súmula das suas habilidades como realizador, argumentista e sobretudo como observador, e o privilégio de as poder usar para transmitir ideologias. A influência da mensagem só depende de nós.
A acumular, Moretti é também de uma fidelidade canina às personagens. Nas histórias que o produtor conta aos filhos e na primeira vez em que lê o argumento do filme sobre Berlusconi, é-nos escancarada a porta para a sua mente: todas as imagens são fruto de uma imaginação demasiado vinculada a um género cinematográfico que está morto e enterrado. Assim como o seu casamento. Assim como Itália. Ele representa uma geração conformada, mas com probabilidades de regeneração; a jovem e insegura argumentista, um país com um vislumbre para o futuro.
Mordaz, cómico e terno, por vezes descarado, "O Caimão" entra para a galeria dos melhores filmes do italiano. Resistirá ao tempo, porque é um filme sobre pessoas envolvidas em circunstâncias políticas. Porque haverá sempre um Berlusconi. Porque, afinal, é uma mensagem de esperança: a possibilidade de largar o passado, seja ele qual for, e reencontrar o conforto. Como diria o polaco no filme, "esta italianinha" tem muito para dar. E eu também: 5 estrelitas.