Sunday, October 21, 2007

"A Estranha Em Mim": Crítica


Mesmo com Neil Jordan ao leme, "A Estranha em Mim" ("The Brave One") resulta num thriller banal, previsível e repleto de coincidências convenientes que retiram credibilidade ao argumento. Felizmente, está lá Jodie Foster para safar a onça.

Erika Bain, locutora de um programa de rádio, vive um romance idílico com um médico. Numa noite em que passeiam o cão em Central Park, Nova Iorque, o casal é selvativamente agredido por um bando de rufias. Ela sobrevive, ele morre. Quando Erika acorda de um coma de três semanas, já o noivo foi a enterrar. Despedaçada, aquela mulher que costumava calcorrear a cidade a gravar sons e a escrever belos textos sobre Nova Iorque descobre que já não é a mesma. E a sede de vingança transforma-a numa espécie de vigilante nocturno que aniquila a escumalha semeadora do medo.

Este argumento - que poderia ter sido escrito para Charles Bronson -, foi parar às mãos do aclamado realizador de "Jogo de Lágrimas" e "Breakfast in Pluto", dois excelentes exemplos da capacidade indiscutível do irlandês para criar bom cinema - ambos ambientados no seu país. Mas uma vez a trabalhar com os estúdios norte-americanos, Jordan parece perder o cunho pessoal e acaba por ser tão eficiente como qualquer realizador mediano a operar na indústria. É o que acontece em "The Brave One".

Mas o principal problema reside na história. A ideia não é original - recordo-me de um punhado de filmes dos anos 80 com a mesma premissa, protagonizados pelos durões Bronson ou Seagall -, mas neste caso há uma sucessão de coincidências e facilitismos para ajudar à sua concretização. No espaço de poucas semanas, acontece a Erika o que a um comum mortal apenas sucede uma vez na vida: entra numa loja de conveniência e a empregada é assassinada a sangue-frio; anda de metro e é ameaçada com uma faca borboleta por dois negros; percorre as ruas e encontra uma prostituta (a promissora filha de Lenny Kravitz) moribunda nas traseiras do carro de um chulo... e por aí fora. Se há alguém realmente azarado, chama-se Erika Bain. Por outro lado, a investigação levada a cabo pelo carismático Terrence Howard é demasiado facilitada: o inspector estabelece de imediato paralelo entre os sucessivos homicídios, mas tarda a descobrir quem é o autor, quando Erika não é propriamente a mais cautelosa de todos os assassinos.


Jodie Foster é o motor de tudo isto. Não fosse o seu magnetismo natural - não nos cansamos de a ver -, e este filme estaria perdido. Foster é, sem margem para discussão, uma das melhores actrizes norte-americanas de sempre e das poucas capaz de tão eficientemente usar a voz e a expressão corporal e do rosto para transmitir o turbilhão interno das suas personagens. Ela, que é especialista em mulher "outsiders", normalmente frágeis que progressivamente se transformam em heroínas, brilha aqui como poucas conseguiriam fazê-lo. E, só por isso, "the Brava One" vale 3 estrelitas.


6 comments:

Carlos M. Reis said...

Numa coisa concordamos: Foster é fantástica.

Quanto ao filme, o seu trunfo não está no argumento mas sim na realização e na direcção artistíca, no elenco e na consistência de Foster. Para mim, um dos melhores do ano.

Um abraço!

Cataclismo Cerebral said...

Para mim é também um dos melhores do ano! E acho o argumento fabuloso. Adoro retrato de uma Nova Iorque espectacular e glamourosa de dia em contraste com a cidade sombria e desalmada à noite. Tematicamente este filme encontra paralelo com os filmes da saga Death Wish, mas acaba por ser radicalmente diferente (e ainda bem). Quanto às várias situações que Erica encontra à noite, acho-as plausíveis: ela palmilha a cidade em busca disso mesmo e o Destino "ajuda-a". Para ser sincero, esses confrontos são o que menos me interessa: é o que deles resulta que me perturba e fascina...

Abraço

Bracken said...

Cataclismo: não acho que a Nova Iorque diurna retratada no filme é "espectacular e glamourosa", parece-me antes buliçosa e cinzenta. Quanto ao retrato nocturno da cidade, já foi melhor conseguido em inúmeros filmes, portanto não é nada de surpreendente. Quanto aos sucessivos "azares", até poderia ser plausível, não acontecesse tudo em questões de dias. Acho q nem que fosse todas as noites à Cova da Moura (que não era o caso) conseguia ter tamanho azar. Os diálogos estão bem escritos (adoro os textos radiofónicos da Erika), mas o argumento é pobre e mal alinhavado. O final não é minimamente surpreendente, já se estava à espera. Além disso, não gostei do tom de apologia da vingança pelas próprias mãos. Com exemplos destes, qualquer dia temos notícias de putos que desatam a matar rufias ao lusco-fusco. Tudo por Foster.
Abraço,
Bracken

Cataclismo Cerebral said...

Eu acho que a imagem da Nova Iorque de dia é glamourosa e apela ao imaginário que temos da cidade. O pior é quando cai a noite... mas aí somos sempre conduzidos pela perspectiva de Erica e sentimos a sua angústia. Neste tipo de filmes os "azares" têm de se suceder assim, não há volta a dar. É o equivalente a acreditares que nos filmes do Bond ele consegue safar-se da inevitável morte antes até do genérico inicial. Aqui acho que essas situações tentam evidenciar o quanto a violência e o desejo de vingança conduzem aquela mulher aos sítios errados e às soluções mais extremistas, tendo em conta que ela palmilha toda a metrópole. Acho o argumento fabuloso pela sua dedicação aos conflitos interiores e o final incrivelmente assombroso, até porque acho que contradiz aquilo que seria de prever. O filme não é apologista da violência e isso ficou bem claro. Existe até uma curiosa cena no debate radiofónico em que a própria Erica questiona um participante sobre qual o "direito" do vigilante em fazer o que faz.

Abraço

Anonymous said...

Pânico em Nova Iorque, depois da Sala de Pânico e Pânico a Bordo. Mas só Jodie Foster consegue fazer estes filmes. Alguém imagina outra actriz com esta cara de pânico iminente?

Anonymous said...

utilities chair standardised acknowledge granularity dominic byte vuqekf europes brewster balance
semelokertes marchimundui

Sabe tudo aqui

Google