"Promessas Perigosas": a crítica
David Cronenberg é, muito provavelmente, o mais multifacetado realizador norte-americano. Depois do arrojo temático de "A Mosca" e das fantasias esquizofrénicas de "Exystenz" e "Festim Nú", o cineasta pisa há dois filmes (contando com "Uma História de Violência") o terreno muitas vezes pantanoso do cinema clássico, mesmo que duro e árido. Mas em "Promessas Perigosas", o autor confere-lhe um toque de ternura e romantismo. Algo inusitado em Cronenberg. Mas lá que resulta...
Há uma cena em "Promessas Perigosas" de carácter antológico: uma sequência de luta numa sauna londrina, em que o soberbo Viggo Mortensen (dêem-lhe o Óscar, por favor), totalmente desnudado, se esfola para se manter vivo perante dois membros da máfia russa. Esta cena é ilustrativa do cuidado cénico de Cronenberg, que coreografou a cena sem recorrer a duplos para lhe creditar crueza e realismo. O resultado é espantoso aos olhos do espectador: a sequência não só se delonga em detalhes, como mostra um protagonista que sofre. E bem.
Nesta história sobre pecado e redenção, sobre nascimento e morte (físico e da alma), em que uma parteira descobre o que não devia sobre os meandros da máfia russa em Londres, há quase sempre um prenúncio de tragédia, da sequência inicial à final. Logo a abrir, um barbeiro corta o cabelo a um cliente russo. O sobrinho, com um atraso mental, entra a tiritar pelo estabelecimento e olha em desespero para o tio. Só esse olhar já é o anúncio de que algo vai acontecer e o espectador tem de estar preparado para o que ali vem. A técnica é usada ao longo de todo o filme, mesmo quando as nossas expectativas saem frustradas. Cronenberg faz-nos acreditar, mesmo quando é aparentemente previsível, que a história toma o rumo que imaginámos.
Deixem-me falar-vos dos actores: para terem uma ideia da entrega de Viggo Mortensen ao papel do misterioso motorista do filho do "padrinho" do clã que, muito certamente, lhe valerá no mínimo uma nomeação para os prémios da academia, fiquem a saber que este viajou a Moscovo, Sampetersburgo e aos montes Urais sozinho, embrenhando-se numa cultura e numa língua estranhas. Aprendeu o dialecto siberiano e decorou as suas falas em russo e ucraniano. Sorveu praticamente tudo o que havia para sorver sobre os "vory v zakone" (um grupo da máfia russo). O resultado é uma composição perfeita. Naomi Watts, que não tem o peso do filme ás costas, é como sempre excelente, principalmente na interacção com Mortensen. A atormentada personagem de Vincente Cassel é magistralmente representada. Por isso, se há "ensemble cast" digno de registo este ano, ei-lo. 5 estrelitas
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