Sunday, June 3, 2007

Fincher no bom caminho

Nunca entendi como é que David Fincher ascendeu ao estatuto de realizador de culto por uma geração embriagada pelos seus sobrevalorizados "Se7en" e "Fight Club" (e vaiado pelo subvalorizado "Sala de Pânico", vá-se lá perceber isto...). O rapaz, reconheço que perfeccionista, esmera-se na construção técnica da história, mas sem rasgos. E a sua direcção de actores resulta na generalidade em personagens estratosféricas que parecem planar numa outra dimensão, talvez pela sua preferência por mentes perturbadas e tortuosas. Mas "Zodiac" foge à regra.

Em "Zodiac", a história da obsessão de um homem por um outro homem, respira-se vida. Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal) é um cartunista que deambula na sombra da redacção de um jornal. Peça menor daquela máquina, pai solteiro, discreto, interessa-se pelo caso do "serial killer" que alarmou nos EUA, nas décadas de 60 e 70, contornando os holofotes da fama. David Toschi (Mark Ruffalo) é o detective piadético, perspicaz, companheirão, com mais ideias do que meios. Já Paul Avery (Robert Downey Jr.), o jornalista-estrela, pavoneia-se com tiques gay, acha-se mais esperto do que realmente é e vê na bebida uma fonte de inspiração. Estas parecem pessoas reais, desempenhadas eficazmente por este trio de actores, que contracenam com uma química fora do vulgar, como se entre eles pulsasse uma tensão homoerótica.

A mais-valia que Fincher acrescenta é a sua hábil gestão do suspense. De tal modo que, mesmo quem sabe de antemão que o caso Zodiac permanece aberto e o livro de Graysmith não passa de uma tese (com elevada credibilidade, sublinhe-se), tem uma leve esperança de que, no decurso da história, o assassino seja desmascarado e a Justiça feita. É certo que "Zodiac" não foge aos clichés da praxe, principalmente no ambiente da redacção do jornal e na investigação policial. Mas também possui aparentes lugares-comuns, como a sequência inicial, que soa a mais uma banalidade de "thriller" de série B (a loira espampanante que, em vez de fugir, deixa-se estar à espera do seu carniceiro) , mas que encerra detalhes da maior importância.

Em adição, a reconstituição da época, a fotografia, e o excelente naipe de secundários, onde se destacam Brian Cox e Chlöe Sevigny (digna de menção a forma como foi tratada a relação da personagem desta com a de Gyllenhaal, quase assexuada) fazem de "Zodiac" um dos mais interessantes filmes norte-americanos do ano. 4 estrelitas

3 comments:

Luís A. said...

ainda, não vi, mas quero muito ver. Vou tentar hoje! Abraço

Carlos M. Reis said...

Apesar de não ter visto Zodiac (ainda!), estou longe de concordar contigo de que SE7EN ou The Game, obras prévias de Fincher sejam sobrevalorizadas. São dois filmalhaços, bons demais para um realizador inexperiente como Fincher era na altura.

Um abraço Bracken!

Bracken said...

Não concordo. Como disse, ele é um eficaz gestor técnico, mas muito pouco criativo. Não há bem um "estilo Fincher", são normalmente filmes descaracterizados.
Abraço,
Bracken

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